LETARGIA PEREMPTÓRIA

05/02/2014 15:30

Há de serem revistos os requisitos à formação de juízes, pois demonstra falta de compreensão sociológica, antropológica, histórica e econômica a decisão retrograda do TJ de Brasília que derruba a decisão recente de um juiz substituto. Não há lei em si, mas uma lei interpretada, onde devem ser observados com razoabilidade e proporcionalidade os benefícios de um ato e suas possíveis perdas.

Diante das visões sobre o tema das drogas, temos mais opiniões preconceituosamente manipuladas por agentes interessados na vanguarda econômica, que embasamentos cientificamente concisos e coerentes, incólumes à concisão real e concreta entre objetivos de pesquisa efetivos para um interesse global do avanço no trato do assunto.

À luz dos recentes movimentos de legalização da Cannabis Sativa em lugares como California, Uruguai e outros. No Brasil, surge uma recente polêmica gerada pela decisão do Juiz substituto da 4º vara de entorpecentes do Distrito Federal, tornando passível uma análise minuciosa do tema em voga.

Desde os motivos que ensejaram a proibição da maconha incluindo os paradigmas políticos econômicos e sociais atrelados a este fato, existem concepções diversas sobre o tema, porém poucos abordam a raiz do fato. Milton Friedman (Nobel de Economia) em certo momento explanou o seguinte enunciado: ”Tivessem as drogas sido descriminalizadas..., o crack nunca teria sido inventado (ele foi inventado porque o alto custo das drogas ilegais torna lucrativo fornecer versões mais baratas) e hoje haveria um número bem menor de dependentes. As vidas de milhares, talvez centenas de milhares de vítimas teriam sido salvas. ...Menos pessoas estariam na prisão, e menos prisões teriam sido construídas.”

O que Milton Friedman nos trás é a visão restrita sobre o interesse direto da valorização econômica da droga, a cadeia de infraestrutura criada para repressão da mesma e o desempenho gerado no tratamento da piora dada pelas decisões tomadas. Porém temos de ir além e, em princípio, atermo-nos ao que diz Ehud C. Sperling: que cita a introdução do cânhamo na cena mundial da humanidade na aurora da experiência humana pelo encontro de sementes, cordas e roupas feitas de cânhamo nos túmulos mais antigos, além do uso medicinal ser encontrado nos primeiros textos médicos da historia. Além disso, quando as prensas de Gutemberg começaram a funcionar, foi o papel de cânhamo que recebeu a tinta e disseminou a palavra da bíblia para uma Europa que despertava. Quando a ânsia de descobrir um novo mundo, uma nova maneira de viver deu origem à idade das descobertas cerca de 500 anos atrás, foi o cânhamo que a viabilizou, dando aos exploradores as velas e o cordame necessários para cruzar os oceanos, ou seja, são inúmeras as utilidades de uma planta que certamente é única e muito mais econômica que diversos produtos das nossas atividades mercantis atuais.

Simplesmente o cânhamo demonstra soluções práticas e de baixo custo para inúmeras mazelas humanas, desde utilização medicinal até a redução dos desmatamentos devido à diversidade de usos possíveis, que inclusive poderia ser a substituta do petróleo pela resina que produz. Mas não é tão simples assim, vejamos algumas posições para em seguida adentrarmos na origem de toda perversidade sem embasamento gerada em torno do assunto.

A Juíza-Auditora da Justiça Militar da União Maria Lúcia Karam demonstrou sua sensibilidade ao assunto em dizer que “a posse de drogas para uso pessoal é conduta privada. Não havendo destinação a terceiros, existindo apenas eventual ameaça de dano à saúde do consumidor, constituindo a criminalização intervenção indevida na esfera da privacidade do indivíduo. Se, sob este ângulo, a criminalização é, portanto, um imperativo nascido do indispensável respeito à liberdade individual na vertente da produção e da distribuição configuradoras do tráfico, as contradições embutidas na opção pela proibição igualmente recomendam o rompimento com a política criminalizadora. Basta olhar o exemplo da história: quem derrotou a violência de Chicago dos anos 30 não foram os intocáveis de Eliot Ness – foi simplesmente o fim da Lei Seca.”

Ainda neste raciocínio trago a mota o raciocínio de Domingos Bernardo da Silva Sá, Advogado e ex-presidente do Conselho Estadual de Entorpecentes /RJ, onde trata que a questão pertinente ao uso de drogas não pode ser o direito penal. “Muitos são os argumentos que demonstram o acerto desta afirmação; entre eles avulta o de que o direito penal não pode ter por objeto condutas estritamente privadas.”

Desde a década de 1930 tem havido um esforço para doutrinar as pessoas, impondo-lhes a crença de que o cânhamo não passa de uma praga maligna com raízes no inferno. Mas quando lhes mostram uma camisa que parece linho e dizem que é feita do caule da mesma planta que produz a maconha, uma profunda mudança na consciência tem início.

Para demonstrar a importância do cânhamo temos que seus feixes de fibra chegam a 4,5m, contra as fibras do algodão com apenas 2cm, o que confere uma resistência a tração  até 8 vezes maior para o cânhamo e durabilidade de 4 vezes mais. Assim como o linho e outras fibras o cânhamo pode ser tecido em vários níveis, da lona ao tecido fino. Através do processo adequado é possível tona-lo mais macio que o algodão, porém não é só isso, também possui grande poder de absorção o que o torna uma excelente escolha para manufatura de toalhas, fraldas, cueiros e roupas de bebê. Tecidos para estofamento, toalhas de mesa, roupas informais e roupas de cama de alta qualidade são mercados potenciais para o cânhamo que torna significativamente competitivo os produtos feitos através da manufatura deste produto no mercado internacional, inclusive pelo baixo custo e alta qualidade, favorecendo a balança comercial do país.

Porém ainda há retrocessos quando o assunto é Cannabis Sativa. Na tentativa de trazer para o Brasil sementes de cânhamo para pesquisas o jornalista Fernando Gabeira as teve apreendidas pela PF mesmo depois de constatada a ausência do princípio ativo que causa o efeito alucinógeno (THC).

Talvez a maior contribuição do cânhamo para a economia e a ecologia seja a fabricação de papéis. Metade das árvores derrubadas é utilizada para fazer papel e o desmatamento gera inúmeras crises ambientais, debilitando o ecossistema a camada superior do solo e as bacias hidrográficas. No Brasil, devido a fatores favoráveis ao cultivo do cânhamo sua produção em escala industrial permitiria o surgimento de um mercado promissor, inclusive e principalmente em escala internacional, mais um atributo que inflaria nossas contas em relação à balança comercial.

O caule do cânhamo é uma fonte prolífica e sustentável de excelentes materiais de construção e artigos manufaturados. É possível construir uma casa quase somente de cânhamo, desde a fabricação de tijolos e argamassas até o uso do óleo da semente para pintar e calafetar os acabamentos e inclusive mover o carro.

A Ford Motor Company investigou em 1929 a possibilidade de uso do cânhamo, Henry Ford após 12 anos de pesquisa exibiu com orgulho o primeiro automóvel “nascido da terra”, composto 70% de cânhamo, palha de trigo e sisal e em 30% de aglutinante residuoso de cânhamo, o único aço no carro era sua estrutura tubular soldada. O veículo era 1/3 mais leve que seu correspondente de aço, porém, 10 vezes mais resistente a impactos.

A Greenhouse, empresa com sede em Frankfurt, na Alemanha, seleciona as partículas mais finas da polpa do cânhamo para fazer um composto rígido que é semelhante ao plástico, mas biodegradável. Ao contato com a água o material se decompõe, reduzindo-se a hemicelulose. O óleo da semente pode ser polimerizado ou transformado em poliuretano para ampla variedade de acabamentos, fornecem também óleo para produtos plastificados, de espuma de borracha a policoncreto – duas vezes mais resistente que o concreto convencional, mas ligeiramente flexível.

Além das aplicações expostas que não só aumentariam à qualidade de vários produtos como também diminuiriam seus custos diretos e indiretos, como os financeiros e os ambientais, o cânhamo também possui aplicação como combustível através do óleo de sua semente. Também possui aplicação na criação de cosméticos, pomadas e alimentos.

Praticamente tudo que usamos hoje que é manufaturado, caro e degradante, poderia ser substituído sustentavelmente a baixos custos e com qualidade elevada com o uso de um só produto caso não tivessem cultivados tantos tabus que impedem inclusive a pesquisa neste segmento; restritas apenas a um grupo de interessados na exploração das grandes massas humanas através de uma estratégia política de proibição que não possui embasamento científico algum.

Em seu livro Medicina Mundial, Tom Mout diz que os agricultores do cinturão do milho nos Estados Unidos tem a maior incidência de mortes por leucemia, câncer de próstata e do pâncreas, atribuíveis à indústria de hidrocarboneto clorado em 1945. Porém a planta que mais exige pesticida é o algodão, que é cultivado em 3% das melhores terras aráveis do planeta, onde poderiam estar sendo produzidos alimentos mais nutritivos, o algodão usa 26% de todo pesticida produzido no mundo e consome 7% dos fertilizantes usados anualmente. Muito conveniente a este mercado é a proibição da cannabis, uma vez que há um cartel que seria abruptamente pulverizado caso fosse amplamente empregada em escala industrial os usos da Cannabis Sativa em suas possíveis aplicações.

O cânhamo fora sempre usado pela humanidade, temos exemplos bem próximos de uso comercial da planta. George Washington, o primeiro presidente dos Estados Unidos fora fazendeiro de cânhamo, Thomas Jefferson cultivou cânhamo e manteve um registro de seus empreendimentos e reflexões sobre o tema em seu livro de contabilidade, em notas sobre o tabaco e outros escritos.

As primeiras proibições foram alicerçadas nas reformas sociais nos Estado Unidos, onde foi tentado incluir a Cannabis nas prescrições da lei Harrison em 1914. O ativista do cânhamo Jack Herer, que publicou em 1994 o livro O rei está nu, afirma convincentemente que a cannabis foi proibida não só por razões “morais” mas por razões econômicas. Os produtos de cânhamo ameaçavam interesses financeiros e industriais devido a diversidades de produtos que proporcionava. A indústria petroquímica e de celulose em particular corria o risco da perda de bilhões. A Ford e outras companhias já estavam prometendo fazer com carboidratos de cânhamo todos os produtos que naquele momento eram feitos com hidrocarbonetos de petróleo. Algumas grandes companhias farmacêuticas estavam em situação de ganhar com a proibição, uma vez que tranquilizantes sintéticos de fórmula patenteada (como barbitúricos) iriam encontrar espaço no vazio deixado por aquele relaxante natural.

Sem objetividade alguma, propaganda racista massiva foi realizada como o golpe final. No México, um relatório governamental citava que “a erva louca” era comprada por mexicanos “de baixa extração” para fins de prazer e usos medicinais, inclusive para trato de doenças venéreas; outros compradores incluíam negros choferes e brancos de baixa classe, como aqueles afeitos ao uso de drogas geradoras de dependência e parasitas do submundo. Com propaganda de influencia política, a Du Pont, a Hearst e seus associados dirigiram seus esforços para esmagar a competição representada pelo cânhamo, e tiveram êxito.

Em 1984, Miles Herkenham e seus colegas do instituto nacional de saúde mental dos Estados Unidos mapearam os receptores de cannabis no cérebro, usando análogos radioativos do THC desenvolvidos pela Pfizer Central Research. O maior número de receptores foi encontrado no hipocampo e no córtex cerebral, pouquíssimos receptores foram encontrados no tronco cerebral, onde os sistemas automáticos de manutenção da vida são controlados. Isso explica o porquê não é impossível morrer mesmo através de doses excessivas de cannabis. Poucas plantas na terra são tão naturalmente assimiladas pela mente humana quanto ao cânhamo, a concentração de receptores para canabinóides nas áreas do cérebro dedicadas aos processos mentais mais elevados – memória, cognição, criatividades – é impressionante.  

É válido, na oportunidade ressaltar, que há importância no trato com seriedade deste assunto a fim de não permitir que seja calado o debate sobre o tema, pois o silencio caminha em prol de interesses políticos econômicos que vão contra os interesses da não fruição de uma melhor qualidade de vida a todos.  Não há argumentos que ensejem qualquer justificativa que mantenha a proibição, tanto recreativa quanto para sua extensão de uso aos casos que beneficiam ao todo, outrora a preocupação fosse os malefícios à saúde, certamente teríamos de proibir a circulação de caminhões que passam a vontade expelindo fumaça negra aos montes, seria necessária a proibição do bacon, que contribui seriamente para doenças coronárias e inclusive a proibição do álcool e tabaco devido a suas complicações conhecidas.

Por Thiago Monteiro

 

REFERÊNCIAS

ROBINSON, Rowan. O Grande Livro da cannabis, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

GOLISZEK, Andrew. Cobaias humanas, São Paulo: Ediouro, 2004.

COTRIM, Gilberto. História e consciência do Brasil: Saraiva, 1998.

HOBSBAWM, Eric. Globalização, democracia e terrorismo: Companhia da Letras, 2007.